terça-feira, 27 de abril de 2010

O Sapo


Era raro, mas naquele dia o Sapo chegou sozinho ao balcão do Rock Bar. Estava com vontade de todas, mas bebeu apenas um vigésimo do que tinha lá: Heineken, Eisenbahn, Baden Baden, Stella Artois, La Trappe e uma bem caipira chamada Indica. Olhou para o palco e lembrou-se do “Andrea Doria”, o Power Trio que tinha letras e melodias, integrantes e identidade... E que teimava em se apresentar apenas no mundo das ideias. Tinha mais uma letra no bolso e uma melodia na cabeça, pois se lembrou do Crisântemo e da Aloucada enquanto estava na praça. Sentia falta do Crisântemo e tinha ódio da Aloucada.
O Crisântemo provou que é verdade, a mais alta expressão da dor consiste essencialmente na alegria.
A Aloucada chamou-lhe à mente a frase de um poeta já citado - "Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa". Que o Sapo adora tanto.
Claro que isso tudo era exagero. Mas tudo tem muita importância no universo crisalístico do Sapo.
Moças passaram pelo Sapo e sorriram... Mas não era nada. Na tela passava um jogo e ele pediu pra mudar o canal. Ele queria mudar o canal... Mas não queria ser outro. O Crisântemo mudou de canal e num passe de mágica o Sapo já era outro. O Sapo até achava interessante passar por isso... Era como ser despedido e ter que procurar outro emprego. Achava até que era justo ser despedido no período de experiência. Mas era só por um instante, logo vinha à mente o despudor da Aloucada.
O Sapo acorda e lá está o Crisântemo. Ele o carrega para as festas e os bons locais que frequenta. A aloucada está no lado antagônico do cotidiano do Sapo. É a culpada pelos malditos momentos que se sente sozinho... Pelo menos procura pensar assim, é mais estimável.
O Sapo escreveu o último verso da letra que carregava no bolso, pediu mais uma Indica, mesmo com plena dor de cabeça, e dedicou o brinde a ele mesmo e ao Crisântemo.

Aço rápido

Agir é questão de pensamento
Tanto faz o quanto aguento, o que importa é duvidar...
O tipo não sobreviveu
e todo o resto é problema meu
Sair e respirar é fácil, achar um sábio casto
pra ouvir sobre o que aconteceu

Mas já não tenho cabeça e nem tempo
e tudo pra mim já passa da hora
com talento para construir,
cortando aço eu vou embora

Séculos, eu queria ter muitos séculos dispostos pra mim
pra entender a gula da rotina
e perceber os sinais nas entrelinhas...
Como pode o carinho se transformar em prisão-hospício?
Punhos, exagero e humilhação?
Sem nome, sem verdade, sem compaixão...

Se olhar em volta, meu horizonte cresceu...
Mas é pela mesma porta que entro
e há muito, gira-mundo, você me perdeu!

Mas já não tenho cabeça e nem tempo
e tudo pra mim já passa da hora
com talento para destruir,
cortando aço, faço agora!

Tudo é simples, mágico, encantado
quando se é criança e está apaixonado
É preciso deixar o que foi bom ir embora
Para que continue bom na parede da memória...

Mas já não tenho cabeça e nem tempo
e tudo pra mim já passa da hora
com talento para suprimir,
cortando aço eu vou embora

O Sapo dormiu bem aquela noite, mesmo pesando uma tonelada. A melodia no outro dia ele esqueceu... Ficou a letra, um pouco do ódio e o embalo do vazio.


São meus ídolos, Fábio Moon e Gabriel Bá, que me apresentaram o Sapo

sábado, 3 de abril de 2010

Abnegado

Não dá prazer, mas antes o existencialismo

do que o conforto de uma mente estável...

Uma mente programada e de não existência

Nada existe além da dor de cabeça e do extinto!

O prazer está guardado para a hora de chegar em casa,

o álcool e o orgasmo só...

É bem fundida a hipocrisia

Fundida no encéfalo e no ectoplasma

E por consequência em nossa casa

Ah... Tenho tanta coisa que não quer descer!