domingo, 1 de novembro de 2009

Consciência Negra


Novembro é o mês da consciência negra. Em meio a tantas piadinhas como a que diz que 20 de Novembro é o “dia dos pretos” ou “vamos fazer um dia dos brancos também”, que pregam uma ideia simplista e superficial da questão, vou me ater rapidamente a uma das faces do bolo que forma a base da reflexão prestigiada pela data e que acho muito interessante: a linguagem.
Não nos damos conta da quantidade de palavras de raízes africanas, especialmente de línguas Bantas (quicongo, quimbundo, umbundo), em nossa linguagem brasileira.
São palavras faladas por pobres e ricos, garis e banqueiros, descendentes de povos europeus, mas que foram trazidas pelos escravos à partir do século XVII e disseminadas por todo o território nacional.
Dentre várias outras, as mais populares:
Carimbo, caçula, cachaça, samba, dengo, jiló, catinga, sacana, moleque, muamba, xingar, banguela, cangaço, babaca, camundongo, fungar, cafungar, cafuné, ginga, beleléu, moqueca, quitute, cachimbo, macaco, coroca, mandinga, fubá, canga, tanga, lengalenga, caxumba, quiabo, quitanda, cochilo, tutu, songamonga, moringa, capanga, bagunça, maconha, bunda...
Observando aspectos como este é que começamos a entender a dinâmica da cultura, jogamos luz à ideias pré conceituadas e caminhamos rumo ao exercício da “consciência”.

sábado, 5 de setembro de 2009

Depois do começo


Renato Russo cantou com ares presunçosos: "vamos deixar as janelas abertas/deixar o equilibrio ir embora"; "acender um intervalo pelo filtro/usar um extintor como lençol"; "Deus, Deus, somos todos ateus".
Mas acho que o tratamento seja este mesmo - alfinetar a letargia com versos que contrapõem as cápsulas de cultura que afastam de nós todo tipo de reação inata.

Anacrônica

Segue aí um textinho meu, classificaram como crônica, na entrelinha é muito lírico.

Dia de vida inteira

O expresso Jardim Europa, quando passa pelo ponto da Mascarenhas de Moraes, vem leve e acelerando forte. Dobrando a esquina, entrando na Cardeal Junqueira, o conforto e a tranqüilidade da viagem transformam-se em caos e dor de cabeça. A meia dúzia de passageiros passa a acompanhar a entrada de oitenta trabalhadores esgotados e estressados, apertados, lotando os assentos e o corredor do ônibus.
Eu, que não me canso nem me aborreço em meu tranqüilo emprego, corro quinhentos metros até o último ponto antes da Cardeal, na Mascarenhas de Moraes. Sempre embarco no ônibus vazio, tomo o último assento à esquerda e pego meu livro.
Hoje me arrependi de percorrer os quinhentos metros, do sorriso e do “boa tarde” que dei a uma mulher quando cheguei ao ponto. A cortesia abriu a porta da euforia e ela não parou mais de despejar informações que não me valiam absolutamente nada.
Chegando à Cardeal, eu já sabia seu nome, onde morava, onde nasceu, quantos filhos tinha, sua idade. Passando pela igreja, já sabia que o pai morrera do coração, a mãe morrera de pneumonia, e a irmã mais nova virou “puta no Espírito Santo”, segundo ela.
Já na metade do percurso, ela havia contado sua vida até os trinta e cinco anos. Falou mal da patroa, em diversos exemplos pitorescos e exagerados, exaltou Deus, na mais firme fé cristã. Nessa parte eu apreciei incríveis cinco segundos de silêncio.
Agora que já estou perto da minha parada, sei que ela está indo visitar uma prima que desde menina não vê e que encontrou durante o dia. “Quase não a reconheci”, disse começando uma história da infância, quando moravam juntas. Minha cabeça lateja e contemplo a paisagem do meu bairro, a descida está próxima e já me levanto. Poderei ler meu livro em paz, no sossego do meu quarto. Ela também levanta e vai esbarrando até a porta: “Também desço aqui!”
Saco! Dou um sorriso falso. Que coincidência! Pergunto qual o endereço. “Não sei, só sei que é nesta rua”. – Qual o nome da sua prima? “Maria Josefina Do Carmo”
A dor de cabeça aumentou, a história do livro acabou. É minha mãe!

sábado, 15 de agosto de 2009

O Augusto Dos Anjos da praça

A natureza do homem é ser volúvel. Certo dia, comentei com um amigo a manchete de um jornal que estava exposto em sua banca. Era mais uma daquelas “bombas” do cotidiano político que pululam no noticiário do nosso país. Uma dessas em que políticos são acusados de praticar coisas ilícitas envolvendo nepotismo, fisiologismo, e outros corriqueiros costumes dos nossos garbosos excelentíssimos representantes. O retorno que recebi do meu caro amigo foi no tom mais melancólico que já ouvi: – “quer saber quando o homem vai possuir algo que realmente poderá ser chamado de ética? Nunca!”
Ele continuou o discurso salientando a espécie de praga que é o ser humano no planeta, a hipocrisia que paralisa, o povo anestesiado que dá crédito á apatia, a alienação. Disse não enxergar o valor real do homem e do caos que fez no mundo. As pessoas iludem-se imaginando um mundo de liberdade, igualdade, fraternidade... são coisas impossíveis de se concretizar enquanto o fator soberano for a humanidade. O ser humano joga sempre ao lado de seus interesses, o resto é hipocrisia.
Bem, disse Machado de Assis na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas:”

“... eu via tudo o que passava diante de mim, - flagelos e delícias, - desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia a indiferença, que era um sono sem sonhos; ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, - nada menos que a quimera da felicidade, - ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.”

Como viram, o pensamento pessimista vem de muito tempo atrás. Sempre existiu na cabeça de muitos “esclarecidos”, até na do nosso maior escritor. Em todas as épocas. E na do meu amigo jornaleiro, esse pensamento está cristalizado, lapidado no olhar que lança sobre o dia-a-dia.
Uma força inconsciente me inclina a pensar que eles tenham razão. Mas em relação a esse pessimismo, prefiro ficar naquele clube dos que nada sabem - cujo patrono é o filósofo Sócrates.